terça-feira, 25 de junho de 2013

Minha Vida Gay

MINHA VIDA GAY

Vida gay – Diálogo entre pais e filhos


Meu filho é gay. E agora?

Sob as influências de alguns e-mails de leitores, relatos gays e na busca de ampliar os temas no Minha Vida Gay, resolvi começar um “diálogo” com as mães e pais de filhos gays e sobre a inclusão de filhos gays perante o núcleo familiar.

Apesar de não ser pai (ainda), sou filho e com 35 anos entendo que a minha visão de mundo e olhar para as relações começam a se aproximar do ponto de vista de um (por que não?) futuro pai.
Para iniciar esse post, dedicado a mãe e o pai de um filho gay, conto aqui um pouco da minha história familiar:

Nasci numa família católica porém não praticante. As questões relacionadas a religião eram colocadas basicamente no meu cotidiano no Colégio Pio XII (colégio de freiras americanas), durante a pré-escola e o ginásio, e não necessariamente dentro de casa. Minha família não reservava e nunca reservou um espaço sagrado para a Bíblia dentro do lar.

Apesar do patriarcalismo predominante, de pais nascidos na década de 50 (geração Baby Boomer), as bases e valores de minha educação foram transmitidas pela minha mãe que – como professora de português e inglês – deu um tempo para o trabalho durante o período de oito anos – após meu nascimento e na sequência, o nascimento do meu irmão.

Minha mãe

Diferente de “amiga”, minha mãe sempre foi bastante companheira. Lembro bem das horas que ficávamos juntos, cada um lendo ou vendo assuntos de seus respectivos interesses, na banca que existia em frente do Estádio do Morumbi. Era parada certa com boa frequência quando voltávamos do Pio XII.
Por parte de minha mãe, com grande influência do meu avô paterno que morava em casa, minha educação permitia desenvolver livremente meu espírito de curiosidade. Meu vô morava na parte de cima do sobrado que ficava no fundo de casa e, na parte de baixo, mantinha sua profissão de marceneiro, ofício que aprendera aos 17 anos quando chegou em terras brasilis. Aprendi a martelar madeira e a martelar o dedo. Aprendi a mexer com cola e usar o serrote.

Vez ou outra meu avô voltava da feira com pintinhos. Não era difícil ter um galinheiro de madeira e aprender a alimentar os frangos com quirela em plena São Paulo que, na década de 80, era bem menos urbana do que hoje.

Nesse contexto, minha mãe avidamente permitia toda essa interação, de usar o serrote na minha tentativa de construir robôs, do martelar o dedo, de cuidar dos pintinhos que viraram galinha e – vez ou outra – infestavam o quintal de pulgas que vinham das pombas!

Apesar do nojo, minha mãe me deixava criar minhocas no meu pequeno grande mundo do quintal. Meu pai trazia do Makro potes de pé de moleque que viravam viveiros para minhocas, guarus, lagartas que virariam borboletas e girinos que virariam sapos. Ficava hipnotizado com o processo de metamorfose desses dois últimos bichos, sem sequer imaginar a “metamorfose” que aconteceria comigo! (rs)

O contexto era São Paulo, próximo ao estádio do Morumbi, mas assim tive minha vida no interior, interior do meu mundo. Mamãe permitia tudo isso e mais um pouco, assim como permite até hoje. Apesar dessa autonomia, sem querer falava da necessidade de reconhecer meus limites e nunca ir além se – de repente – eu pudesse me machucar.
Minha mãe me ensinava a olhar para fora.

Meu pai

Ao contrário de minha mãe que nasceu numa família de sete filhos em Pindamonhangaba, meu pai nasceu em São Paulo e teve apenas um irmão.

A grande referência que tenho dele, na minha infância, é de alguém que acordava sempre muito cedo e voltava bastante tarde, rotina que a grande maioria dos homens cultivavam naquela época para sustentar a casa. Sobrava alguns 10 minutos quando ele se deitava para contar a mim e a meu irmão a história do “Yu e do Ma”, personagens que havia inventado em nossa homenagem. 10 minutos até meu pai adormecer pelo cansaço de sua rotina.

Nos finais de semana aprendia a andar de bicicleta e empinar pipa. Mas tinha uma coisa muito chata que vinha do meu pai: quando eu caia da bicicleta e me machucava eu levava bronca! “Pare de chorar!”, “Levanta daí”, “Já está estragando a bicicleta de novo?!”. E quando empinava pipa e o fio arrebentava era a mesma coisa: bronca! rs

Lembro do talento do meu pai com a história das pipas. Lembro do dia que ele fez uma pipa gigante, do ponto de vista de quem era miúdo como eu, colorida, de formato estrelar. Era uma verdadeira obra prima! Um verdadeiro talento que iluminava os olhos de um jovem admirador.

Levamos a pipa na USP e, num primeiro sopro ela voou longe! Mas não durou muito. A linha era fina para seu tamanho e arrebentou. Longe como voou também partiu. Meu pai ficou triste, mas tristeza a ele sempre vinha na forma de irritação e mau humor! Assim, por seus motivos também levei bronca! rs
Por outro lado, meu pai percebia que eu gostava de desenhar. Investia, comprava canetas, giz pastel e papel canson. De repente ele percebeu que eu tinha “ouvido” para tocar piano. Comprou um dos melhores teclados Yamaha para a época e me colocou num conservatório. Toco até hoje com muita satisfação.
Quando meu pai notava essas minhas aptidões não media esforços para contribuir. Não faz muito tempo atrás, quando comprei meu piano digital da Roland (sonho máximo de consumo na época – rs), no dia seguinte ele voltava do centro de São Paulo com o kit de caixas de som, da mesma marca, apropriada para o piano. Babei!

E foi assim também quando eu resolvi ter meu primeiro Macintosh da Apple. Foi um G3, lindo, bacanudo e potente. Estava lá meu pai me ajudando para poder criar e produzir em cima daquele baita micro!
Meu pai me ensinava a olhar para dentro.

Meu irmão

Curioso (ou nem tanto assim) que meu irmão foi, é e será sempre heterossexual. Mesmos valores familiares, mesma educação, mesmo colégio Pio XII, mesmos pais, mas com tantas diferenças. Meu irmão era mais introspectivo e mais tímido (de primeira vista, quem poderia ser gay era ele! rs). Adorava quadrinhos da turma da Mônica, que depois virou X-Men e personagens da Marvel. Gostava de Lego e de tanto querer entender as historinhas dos gibis – com a ajuda de minha mãe – começou a aprender a ler antes de entrar na escola.

Fui do NES e do Super NES. Já meu irmão dominava o Playstation, jogava compulsivamente RPG com nossos vizinhos e essa coisa de “Live Action” faz parte do universo dele!

Enquanto eu ficava “todo santo ano” de recuperação, meu irmão – incrivelmente – passava com as melhores notas. Na infância e na juventude, para passar de ano, eu sempre debruçava nos livros e sofria! Meu irmão, bem ao contrário de mim, não estudava nada, levava lá as broncas de minha mãe por isso e – incrivelmente de novo – apreendia todas as informações na própria aula!

Enquanto eu fazia ESPM, último suspiro que me sobrava (rs), meu irmão passou na Unicamp. Saiu mais cedo da casa dos meus pais por causa disso e seguiu direto para o Rio de Janeiro depois de passar num bom concurso público.

Eu

Resolvi aos 23 anos virar empresário. Nesse mesmo período assumi minha sexualidade (a mim acima de tudo) e não demorou muito para começar um primeiro namoro que durou quase dois anos.
Essa coisa de “virar empresário” encheu meu pai de preocupação do tipo: “você não é capaz de tocar uma empresa”. (Traduzindo: “não acha que levar um negócio próprio é penoso? Fui funcionário público a vida toda e não tenho nenhuma referência para te passar!”).

Com a minha mãe foi mais ou menos assim: “tem vontade? Vai te fazer feliz? Então batalhe e corra atrás. Sei que não tem como dizer não para você, por isso fica por sua conta. Tudo que você quis até hoje você conseguiu. Tenha fé e vou rezar para que dê tudo certo”.

Para meu pai sempre foi muito difícil entender a importância de “me deixar voar”. Em seu ponto de vista eu sempre “voei” demais e era um “porra louca” – adjetivo que ele utilizou inúmeras vezes para se referir a mim (rs).  Realmente, “comedido” nunca foi um adjetivo que poderiam pronunciar para nomear a minha personalidade. Enquanto minha mãe notava esse meu jeito com graça e positividade, meu pai se enchia de medo. De um tipo de medo de eu sempre tendenciar a ir além do que ele faria, seguir caminhos ou ter opiniões que ele não teria, me intrometer onde a ele eu não deveria. E tudo isso era muito difícil para meu pai. Foi difícil ele aceitar que eu sairia de casa contra a sua vontade. Foi difícil ele perceber que minhas aptidões profissionais apontariam para caminhos diferentes. Foi difícil de aceitar que eu não tinha nada de funcionário público e, autonomia, era a palavra que mais brilhava.

Autonomia para meu pai que foi funcionário público? Essa dimensão não fazia parte de sua realidade.

Hoje noto minha mãe colhendo todas as certezas, confianças e fé que ela creditava em mim. Hoje, apesar de muita dificuldade (rs), o medo do meu pai se transformou em orgulho, satisfação e paz. Nunca fomos todos tão amigos e unidos. Nunca tivemos tanta autonomia para mostrar pontos de vista e – por mais que meu pai goste de ter a palavra final (assim como eu – rs) – chegamos sempre num acordo.

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